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quarta-feira, 31 de março de 2010

MINHA CRÔNICA:


Senhor da razão

Quando menino, lembro-me que o tempo passava devagar e, como toda criança, tinha pressa de crescer, de ficar adulto. Fui me formando nos chamados graus escolares e procurando galgar os degraus que a vida me apresentava. Alguns ainda almejo; outros, porém, nunca quis.


Dentre as coisas que ouvi na vida, uma das mais marcantes foi, sem dúvida, que nós devemos fazer do obstáculo um degrau e não do degrau um obstáculo. Entretanto, ninguém nunca me disse como fazer para seguir quando nossas passadas são muito menores do que o obstáculo a nossa frente.

Sou de uma família de descendente de italianos, composta por pessoas que têm o coração maior do que a própria estatura. Tenho a satisfação de me encontrar com irmãos, cunhadas e sobrinhos em quase todos os aniversários que eles completam.

Na questão profissional, entrei no Banco do Brasil há 30 anos, mas parece que nem faz metade desse tempo. Pude sentir de perto a desvalorização da profissão de bancário. Na empresa, conheci cerca de meia dúzia de indivíduos, cujas atitudes lamentáveis não pareciam próprias de ser humano, em especial no trato com subordinados. Porém, uma infinidade de pessoas maravilhosas, muitas delas meus amigos particulares, que compensaram a minoria mencionada. Trabalhei com gestores com tanta obsessão por números, que nunca se deram conta que lidavam com gente. Em contrapartida, administradores que atingiam com competência os objetivos do Banco, com prioridade no relacionamento pessoal. Dos primeiros eu mal lembro dos nomes; os demais são inesquecíveis.

Ao longo dos meus 50 anos, completados agora em março, fica fácil perceber que “homo sapiens” tem se tornado cada dia mais um ser tecnológico do que humano. É triste saber que, hoje em dia, a população de um determinado lugar é medida muito mais pelo número de consumidores em potencial do que propriamente pelo de habitantes. Vejo que, na ânsia por um consumo desenfreado, o mundo está sendo consumindo pela ansiedade. Sinto que o dinheiro é como um vírus capaz de até mesmo matar, mas as pessoas não se importam em viver em constante estado febril. Tenho observado que a paz tem sido o intervalo entre as guerras, quando deveria ser um estado de espírito. E o pior disso tudo, é que fica fácil constatar todas essas deficiências nos outros seres humanos, mas é relativamente difícil consertar os nossos erros, por menores que sejam.

A vida chegou a causar algumas feridas, muito mais internamente do que à flor da pele, mas todas já foram devidamente cicatrizadas pelo tempo. Sei que devo ter magoado muita gente e, mesmo sem ter intenção, não tive o devido tempo para me desculpar. Por outro lado, muitas me feriram também sem querer e, sendo assim, meu coração já se encarregou perdoá-las. Se parar para pensar com atenção, verei que maioria das pessoas que cruzaram o meu caminho nem sequer se deram conta da minha existência, assim como devo ter ignorado um número expressivo de seres humanos que permearam minha caminhada.

No que se refere à vida particular, tendo muito mais a agradecer do que pedir. Vivi emoções maravilhosas, dentre as quais eu destacaria o meu casamento e o nascimento de minha filha. Tudo isso pode parecer piegas, mas todas as noites sou grato por fazerem parte da minha vida e não me imagino mais sem elas. Olho o mundo à minha volta e vejo uma grande quantidade de pessoas que não conheceram os pais, ou não tiveram a oportunidade de conviver com eles. Eu, entretanto, chego aqui tendo ambos vivos, próximos de mim e, dentro do possível, com saúde. Considero que isso seja uma benção que deva ser agradecida continuamente. Entre os revezes da vida, sobrevivi a cada perda de entes queridos para depois, a cada dia, morrer de saudades de todos eles.

Como a sociedade gosta de rótulos, agora sou o que chamam de “adulto maduro”, ou “meia idade”. Estatisticamente, já passei da metade de minha trajetória, mas aprendi com a vida que não devo confiar tanto assim em dados estatísticos. Cansei-me de conceitos pré-estabelecidos, mas sei que vivo envolto numa atmosfera de ilusão ao pensar que estou começando a segunda metade. Talvez isso sejam coisas do tal instinto de sobrevivência.

Apesar de boa parte de meus cabelos brancos dizerem o contrário, sinto-me ainda um garoto. Freqüentemente rolo com minha filha pelo tapete da sala e fico em dúvida se isso agrada mais a ela do que a mim. Nos finais de semana, continuo a “bater uma bolinha” com os amigos e agradeço a eles pelo fato de me fazerem pensar que o que faço em campo ainda pode ser chamado de futebol. Sou grato também pela convivência com eles por mais de 20 anos. Assim como as redações do tempo de escola, sigo escrevendo meus textos e é bom saber que existem pessoas que se interessem em lê-los, agora sem me preocupar com notas, embora sujeitos a críticas.

Muitas vezes o menino que mora dentro de mim tem dificuldade em imaginar que cinco décadas já passaram pela retina. Pensava que a essa altura saberia tudo sobre a vida, mas vejo que sou um eterno aprendiz no que se refere ao mundo e, principalmente, a meu próprio respeito. Se eu tivesse que definir “meio século”, eu diria que é um período que passa depressa demais.

Para finalizar, certa feita li uma frase, que desconheço a autoria: “o tempo é o senhor da razão”. Pois constantemente reflito e questiono sobre seus propósitos. Acredito que esse tal “senhor” deva ter lá suas razões para insistir que a vida continue a me reservar ainda essas incontáveis emoções que me acompanham.
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AUTOR: Paulo Cesar Paschoalini
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- Este texto está disponível na intranet do Banco do Brasil > Acesse Sua Área > Cadernos > Palavras Cruzadas, publicado pela VITEC-Brasília em 09.04.2010 e acessível a mais de 100.000 funcionários.
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